quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

de Campos à Parati de Bicicleta!

De Campos do Jordão a Parati, 300 quilômetros a bordo de uma bicicleta. Um jeito simples, gostoso - e ecologicamente correto - de ir da serra à praia. Com calma para aproveitar o caminho. Sem pressa de ser feliz.


O que Campos de Jordão, 1 638 metros acima do mar, tem a ver com a litorânea Parati? Se a resposta for "absolutamente nada", você não sabe o que está perdendo. No último ano, esse virou um dos mais charmosos roteiros do - ainda pouquíssimo popular - cicloturismo brasileiro. São cinco dias e quase 300 quilômetros, a maior parte por estradinhas ou trilhas de terra que é você quem vai desbravar, abrindo e fechando porteiras. Isso mesmo: no comando de uma mountain bike você escolhe por onde seguir. Nem precisa de uma estrada. E, no caminho, ainda conhece vilarejos e cidadezinhas no meio do nada, onde turista é raridade, mas não faltam charme e hospitalidade para um ciclista esgotado e sujo de lama. Dá para fazer de jipe, mas uma jornada dessas causa um tremendo impacto no meio ambiente. Além disso, esses veículos não conseguem integrar o motorista ao meio ambiente e às comunidades locais como faz uma boa, silenciosa e simpática bicicleta. E tem mais: em vez de diesel, o combustível são seis bananas diárias. Para conter a cãibra, claro.


Campos do Jordão (SP) - Delfim Moreira (MG)

Distância: 54 km


Melhor começo, impossível. A "largada" é no Parque Estadual do Horto Florestal, sentido Bosque Vermelho. Os primeiros 10 quilômetros são dentro do parque, em um corredor de araucárias. Só depois de 13 quilômetros vê-se a paisagem típica dos vilarejos da Mantiqueira: um punhado de casas de madeira, um mercadinho, uma escola, uma serraria, uma igreja e crianças com malhas grossas para se proteger do frio. É a hora de parar para conversar, perguntar pelos caminhos, estudar alternativas.


Em Delfim Moreira, eu e o fotógrafo Marcelo Delduque, meu companheiro dessa e de outras pedaladas esporádicas, tomamos um refrescante banho na Cachoeira do Barrado, a 14 quilômetros da cidade. O município é ponto de encontro de "foras-de-estrada". Um local agradável, de natureza farta, com inúmeras trilhas. Há ainda o Mosteiro de Santa Maria de Serra Clara, dos monges beneditinos. Mas a cidade em si não merece mais que uma caminhada à noite. O negócio é jantar bem, fazer sauna na pousada e acordar para o dia mais desafiador, cansativo e inóspito da jornada.


O lugar para descansar a panturrilha na cidade é a Pousada Solar da Mantiqueira (Rua Manuel José Lebrão, 73, diárias de R$ 35 a R$ 180), em Delfim Moreira. Reservas no nosso atendimento on-line. Experimente o pão de queijo e peça para ele ligar a sauna como cortesia (são R$ 60 para grupos de 11 pessoas).


Delfim Moreira (MG) - Passa Quatro (MG)

Distância: 71 km


Como não seguir a indicação de quem passou a vida percorrendo os caminhos da região? Daniel, da Pousada Solar da Mantiqueira, analisou a nossa rota e disse que deveríamos optar por outro caminho. Bem mais comprido. Bem mais bonito. Ele desenhou um mapinha que parecia coisa de profissional. Seguimos as orientações dele e pedalamos quase sempre na "companhia" do Pico dos Marins, o segundo mais alto do estado de São Paulo, com mais de 2 200 metros. A sensação era de total isolamento. "Este é o local ideal para alguém se esconder do mundo", era o que pensávamos. Há apenas algumas casinhas e porteiras de fazendas.


Depois de mais um banho de cachoeira em uma propriedade particular, já é preciso pedir licença a alguns moradores para entrar no quintal de suas casas. E quase sempre dizem "sim". Afinal de contas, é a trilha. E essas são as vantagens de quem viaja pedalando, sem jogar fumaça na cara deles.


A longa jornada termina com uma descida de quase 20 quilômetros em estrada de terra, com uma vista matadora para a Serra Fina, mergulhando sem parar num magnífico vale verde, onde está a aconchegante cidade de Passa Quatro.


@ ANOTE AÍ: Passa Quatro é um ponto turístico tradicional. Vale gastar um dia inteiro ou uma manhã - pedalando por ali para conhecer as cachoeiras e trilhas da região. Para quem planeja apenas uma noite na cidade, o Hotel Serra Azul (Praça Doutor Paulo de Frontin, 67) diárias a R$ 35 por pessoa, com café-da-manhã), que fica em frente à estação de trem, tem a melhor relação custo/benefício. Lá também é servido um bom e barato rodízio de pizza, que custa R$ 5 por pessoa. Não espere encontrar nenhum tipo de luxo, mas tudo funciona bem, o local é limpo e há lugar para deixar as bicicletas. Reservas em nosso atendimento on-line


> DIA 3

Passa Quatro (MG) - Silveiras (SP)

Distância: 35 km


Essa é uma pedalada mais curta, porém muito especial. Por cerca de 5 quilômetros, anda-se no que os ciclistas chamam de singletrack, uma trilha estreita por onde passa apenas uma bike. Do lado esquerdo, os trilhos de uma ferrovia desativada. Do outro, um grande precipício, com vista majestosa da Serra da Mantiqueira e do Vale do Paraíba. A jornada pode começar com uma excelente oportunidade de economizar batata da perna em 6 quilômetros de subida. Às 14h30, há um passeio turístico a bordo de uma maria-fumaça, que sai do centro de Passa Quatro até a boca de um túnel, divisa de estado entre São Paulo e Minas Gerais. Na Revolução de 30, o local foi ponto de batalhas ferozes entre paulistas e mineiros. Há um minúsculo museu ali.


Depois da carona na maria-fumaça, o ciclista tem de seguir com a magrela por 1 quilômetro dentro do túnel, na total escuridão (uma lanterna é muito bem-vinda; e a ferrovia, não custa lembrar, está desativada). Do outro lado é São Paulo, onde começa o singletrack. Quem não tem habilidade pode empurrar a bicicleta sem grandes problemas, como fizemos. Depois de cruzar riachos, abrir e fechar porteiras, chega-se à Rodovia Cruzeiro-Passa Quatro. É asfalto, bem menos divertido, mas a vista compensa. São 17 quilômetros para ir se despedindo lentamente das serras de Minas Gerais, mirando o Vale do Paraíba. Sempre descendo, fomos até a cidade de Cruzeiro e, de lá, pagamos 50 reais por um táxi até Silveiras (SP), do outro lado da Rodovia Presidente Dutra. Era o fim da Mantiqueira. E o começo da não menos linda e desafiadora Serra da Bocaina.


@ ANOTE AÍ Cruzeiro é uma cidade sem nenhum charme. Já Silveiras, com menos de 6 mil habitantes, ainda não foi "descoberta", mas é imperdível. O centro tem casarões coloniais e ruas de paralelepípedo. Foi a vila mais importante do Vale do Paraíba na era do tropeirismo, as grandes excursões que levavam ouro de Minas Gerais aos portos de Parati. Hoje, tem apenas um local para hospedagem, a Fazenda Tropeiro (Estrada dos Tropeiros, km 17, diárias a R$ 30 por pessoa, com café-da-manhã), com uma comida de subir pelas paredes. Residência do pesquisador Ocílio Ferraz, da Fundação Nacional do Tropeirismo, é ótima oportunidade para conhecer mais sobre a história da região. Reservas em nosso atendimento on-line.


> DIA 4

Silveiras (SP) - Cunha (SP)

Distância: 45 km


Nesse dia pedalamos apenas pela "estrada principal", sem trilhas, alternando asfalto e terra. Mas nem por isso foi menos divertido! O movimento de carros é quase nulo - e era um domingo de sol... A pedalada foi ao lado do Parque Nacional da Bocaina. E, depois de uma subida onde pagamos os pecados das nossas próximas 20 gerações, chegamos a um mirante de onde é possível avistar com toda a clareza a Serra da Mantiqueira, as montanhas da Bocaina, o Vale do Paraíba, o conjunto de Itatiaia (com montanhas que têm quase 2 800 metros) e a Serra Fina. Aí tivemos a exata noção da nossa façanha, avistando os montes que atravessamos para estar ali: verdadeiro mar de montanhas. É claro que não faltou um ótimo banho de cachoeira antes de chegar a Campos Novos, uma cidadezinha que serve apenas como ponto de passagem para os fora-de-estrada, que passam por lá rumo ao Parque da Bocaina. Há apenas uma pousada. E alguns bares com mesas de sinuca. Se tiver fôlego, são mais de 30 quilômetros de asfalto até a turística Cunha. Não foi o nosso caso.


@ ANOTE AÍ Em Campos Novos de Cunha, a única parada é a Pousada Cabocla (Rua Benedito Albano, 55, diárias de R$ 20 a R$ 35, com café-da-manhã). A comida é excelente. O local é limpo, mas sem nenhum luxo. Reservas em nosso atendimento on-line


> DIA 5

Campos Novos (SP) - Parati (RJ)

Distância: 65 km


O último dia tem a trilha com mais cachoeira por metro quadrado que a gente já conheceu. Assim que se chega à divisa São Paulo/Rio, começa uma descida de 10 quilômetros em estrada de terra com vista para o litoral carioca - as baías de Parati e Angra. A paisagem é ainda mais impressionante de cima do Morro da Macela - para subir, há indicações pelo caminho.


Durante toda a descida pela Serra do Mar, estávamos cercados por Mata Atlântica densa e úmida, como deve ser. E, lá de cima, no meio do mato, de repente, surgiram os mirantes naturais para o mar, convidando para um banho salgado depois de tantas cachoeiras nos dias anteriores. É aí que o ar começa a mudar. O cheiro de maresia se itensifica aos poucos. Sem dúvida, o trecho mais espetacular de todo o trajeto. A descida só termina em Parati. Se você escutar um barulho de água, pode parar e procurar, porque na certa há uma cachoeira gelada ou um poço à sua espera. Estima-se que existam 38 delas no trajeto. Paramos em "apenas" quatro.


Depois de tantos dias curtindo o friozinho da montanha, chegamos ao centro histórico de Parati, sujos de lama, com clima quente e úmido, prestes a trocar as trutas com amêndoa das noites anteriores por frutos do mar, e os agasalhos, por uma bermuda. O banho de mar ficou para o dia seguinte ("perdemos" muito tempo nas cachoeiras...). Mas foi acompanhado pela magrela, evidentemente. Porque ela ainda pode ser muito útil em Parati para aproveitar as praias da Rodovia Rio-Santos na região, como Trindade, Parati-Mirim, Prainha (imperdível, a menos de 20 quilômetros). Há quem vá até Angra dos Reis e Ubatuba no pedal, pelo acostamento. Mas isso já é outra viagem...


@ ANOTE AÍ: Volte para São Paulo de ônibus, pela Viação Reunidas Paulista (11/6618-2044; R$ 36,20). Já de São Paulo a Campos do Jordão vá de Pássaro Marrom (11/6221-0244; R$ 28,40). Nenhuma das duas companhias cobrou taxa para transportar a bike no bagageiro. Aliás, é melhor colocá-la inteira, com as rodas, para proteger o garfo da suspensão.

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