quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

de Zurich à Genebra

Com apenas um passe de trem, fomos de Zurique a Genebra percorrendo o que a SUÍÇA tem de melhor. Três trens por minuto e três países num só. Na hora certa


O físico Albert Einstein escreveu a Teoria da Relatividade na Suíça em 1905. Não sei se andava de trem quando concluiu que a vida passa mais devagar à velocidade da luz, mas eu atravessava os Alpes a bordo de um expresso (lentíssimo) quando consegui fi nalmente entender a teoria. Não peça para transformar o insight em palavras. Tem coisas que nem Einstein explica. Antes de perguntar "wie bitte?", explico por que comecei o texto falando de Einstein. Nos últimos anos, depois da formação da Comunidade Européia, a Suíça se viu numa espécie de ostracismo apresentando o menor índice de crescimento econômico em décadas. Somem-se a isso indenizações pagas às famílias judias, digamos, surrupiadas na Segunda Guerra, e o país dos relógios Vacheron Constantin, dos chocolates Lindts e das polpudas contas bancárias não seria mais aquele. Mas eis que o mesmo país que se nega a adotar o euro lidera o ranking de Competitividade de Viagens e Turismo, criado pelo World Economic Forum. A Suíça-que-não-é-mais-aquela é, por outro lado, o país mais qualificado para receber turistas. Einstein não estava certo? Tudo não é relativo?


Sentada numa poltrona da primeira classe, num vagão do silêncio, onde é proibido até falar com o cobrador, concordo com o Fórum. Nada melhor do que viajar na Suíça. E não é porque eu pude optar entre um vagão sem barulho e um vagão com playground; nem porque o país é laboratório das melhores escolas de hotelaria no mundo; nem porque sua cozinha mais comum é incomum, e nem porque, da janela, vejo aquelas paisagens de desenho de criança... A Suíça é a número um porque funciona. E funciona porque sabe lidar com a diferença - fundamental para conviver com turistas. Com três culturas (francesa, alemã e italiana) interagindo sem confl itos num espaço seis vezes menor que o estado de São Paulo e com um sistema político em que se vota pra tudo, a Suíça é o país onde o relativismo mais se aplica na prática.


Subindo as montanhas, o que me afeta (além da altitude) é o fato de ela estar incrustada na maior cadeia montanhosa da Europa e ter 8 mil quilômetros de linhas férreas! Sendo mil deles apenas para "subir" os montes (como o que eu alcançaria a 3 453 metros). E isso em um país com 220 quilômetros de norte a sul e 348 de leste a oeste? Enquanto você pensa nas poucas linhas em operação nos 8 milhões de quilômetros quadrados do Brasil, um trem parte de Zurique. E enquanto você lê esta frase, outro segue para alguma das 2 865 cidades dos 26 cantões (há picos de três trens por minuto). Apenas 1% das cidades não é servido pelo sistema público de transporte (que ainda inclui ônibus e barcos). Para esses lugares, há os heróicos ônibus amarelos dos correios (postbus). Não à toa, 300 mil turistas optam pelo swiss pass, o passe que conjuga todo o transporte público. Inconsciente coletivo em ação? Não à toa, esta será uma viagem de trem. Com o passe e o passaporte em mãos, pegue, numa estação, a kursbuch, tabela de horários, e embarque nesta viagem onde tudo é relativo. Menos o horário do trem: este é absoluto.


O traslado

Aeroporto de Zurique. Daqui são 15 minutos de trem até o centro. Não é um problema, pois não estou nos States e não tenho de arrastar minha mala de uma esteira à outra ou de passar por vistorias e constrangimentos aqui e ali... Na Suíça posso seguir apenas com a bagagem de mão: as malas são despachadas para a estação central, diga-se de passagem, a cinco minutos de elétrico até meu hotel. E isto me custa apenas 20 francos suíços por volume (O trem? Já está incluído no swiss pass, bem como o elétrico, já que o mesmo passe permite ir e vir livremente em 37 cidades).


Dicas para viajar de trem

• Valide o swiss pass na estação antes da primeira viagem.

• Pegue uma tabela de horários - é gratuita e mostra, além das partidas, os tipos de trem (alguns têm vagões para a família, para o transporte de bicicletas, etc.).

• Tenha sempre o passe e o passaporte em lugar fácil para a checagem dos cobradores.

• Leve bagagem com rodas e fique atento para os elevadores ou rampas de acesso. Sempre há, mas nem sempre são visíveis ao primeiro olhar.

• Lacre as malas. Embora você esteja na Suíça, às vezes o lugar para acomodar volumes maiores fica fora do olhar.

• Reserve antes seu assento na janela nas rotas panorâmicas.

• Procure chegar à estação pelo menos 20 minutos antes da partida, para ter tempo de encontrar a plataforma de embarque e o vagão apropriado. Trens são pontualíssimos.

• Respeite o silêncio nos vagões de silêncio, o nome não é um eufemismo. Não é permitido o uso de aparelhos sonoros, de celulares ou falar com outro passageiro.

• Aproveite as facilidades: há vagões com entretenimento para as crianças, vagões para o transporte de bicicleta e até para o transporte de animais de pequeno porte.

• Não fume: o fumo está vetado em toda a linha ferroviária da Suíça.

• Prepare-se para desembarcar antes que o trem chegue à estação. As paradas duram poucos minutos.

• Vá cedo ao vagão-restaurante, pois geralmente é o mais panorâmico, com janelas maiores que as das cabines. Por isso mesmo é muito disputado.


Primeira parada: ZURIQUE

Willkommen. Zürich aparece através das janelas da Hauptbahnhof, a estação central. É quase meia-noite, mas a rua está cheia de jovens esperando o trambahn. No chão, bitucas de um país onde é quase proibido fumar. Letreiros eletrônicos informam quando os bondes passam. Peço ajuda a uma moça e ela pergunta à colega num português de Portugal: "Achas que ela seguirá mais rápido pela linha tal?". A Schweiz não é mais aquela, penso. O alemão é o idioma mais falado. Seguido pelo francês. Mas há mais gente falando português e outras línguas do que o terceiro e o quarto idiomas oficiais do país (italiano e romanche).


As placas multilíngües reforçam a diversidade só possível no país da relatividade (ou do dadaísmo). E as informações vêm no idioma natal. Perfeito. Apesar das bitucas, estou na cidade com melhor qualidade de vida do mundo (segundo pesquisa da Mercer Human Resource Consulting). E sinto isso na vida de turista: o tram chega na hora, está vazio, não atravessa rushs, segue rápido e me deixa a uma quadra do hotel.


Muitos fatores dão o mérito de "a melhor" a Zurique. Mas é seu jeito de cidade pequena que a torna tão agradável: crianças brincando nas ruas, clubes públicos, gente fazendo piquenique, um límpido lago, som de sinos de igrejas como a Grossmünster, do século 11, e montanhas fechando o horizonte. Por outro lado, não é nada provinciana: é a maior do país. Parte do mérito vem da Paradeplatz: a praça onde os principais bancos suíços (quiçá, principais do mundo) têm sede e cofres. Se dinheiro chama dinheiro, Zurique atrai os principais eventos de negócios, tem 1 700 restaurantes e a mais famosa rua de compras da Europa, a Bahnhofstrasse, com marcas luxuosas como Zegna, Diesel, Chanel, Armani; chocolaterias como a Sprüngli; joalherias como a Chopard, Bulgari, Tiffany e Cartier; e relojoarias como a Bucherer.


Sem paradoxo, é moderna, já que muitos de seus prédios exibem a arquitetura funcional de três mestres, Le Corbusier, Tinguely e Max Bill, e uma de suas igrejas, a Fraumünster, tem vitrais de Chagall. Os über modernos fizeram seu lugar em Zurique West. O antigo bairro industrial é uma espécie de Soho, com arte alternativa, prédios estilosos, parques e bares.


Segunda parada: BERNA


Da estação principal é possível percorrer quase toda a capital da Suíça a pé. De tão pequena (tem pouco mais de 120 mil habitantes), Bern passa longe dos roteiros turísticos. Pena: ali está um dos mais significativos resquícios de arquitetura medieval de toda a Europa (na lista da Unesco). As reviravoltas do Rio Aar cercam o centro histórico como as muralhas de uma antiga cidadela. Dentro da fronteira, os mesmos prédios de pedra do século 12, grudados uns nos outros e interligados no primeiro pavimento por enormes corredores cobertos. Atrás das arcadas, chamadas de Lauben, está um dos maiores shoppings da Europa: são seis quilômetros de lojas de rua protegidas do sol e da chuva. Há comércio até nos porões, que se abrem para o meio-fio por portas no chão, exibindo caves ou restaurantes. Nas principais ruas do centro, vêem-se 11 fontes antigas, cada uma com um desenho peculiar, onde se pode beber água pura.


Com isso, apesar de ter os mesmos elétricos de toda a Suíça, as pessoas em Berna caminham, desviam de bicicletas, cortam feiras públicas, blasfemam para incautos motoristas e empurram os turistas que param para ver o principal relógio do país das horas, o Zytglogge, bater a hora cheia com seu honorável showzinho de cuco... Berna vive tão ao ar livre que, no verão, os parques à beira do Aar são tomados por banhistas. Alguém, com certeza, vai chamálo para um mergulho na Marzili, uma enorme piscina natural. Mas as crianças não precisam descer ao rio para a farra: à frente do Parlamento, do Bundeshaus, 26 gêiseres artificiais (evidente) as enlouquecem com o abaixa-levanta. Melhor do que milk-shake de Ovomaltine ou Toblerone (duas criações de Berna).


Fora do centro antigo, do outro lado do Aar, o Paul Klee Zentrum é uma meca das belas-artes. A começar pelo prédio, desenhado pelo famoso arquiteto Renzo Piano, o mesmo do Pompidou em Paris: ondas de aço seguem o delineado das colinas. Dentro, 4 mil obras do pintor que descobriu a emoção das cores.


É em Berna que descubro uma jóia suíça: Migros. A portuguesa Fátima que serve meu café, forte, me apresenta esta espécie de Lojas Americanas com Casas Bahia, que também é Bradesco e Frango Assado. É a outra ponta da terra da Bally e da Patek-Phillippe, mas você não dispensará os "M's" quando souber que a água que custa 4,6 francos no bar ali sai por 1,50. Retribuo contando o final da novela Alma Gêmea.


+ Terceira parada: INTERLAKEN


Eis um típico resort de férias suíço. Cravado entre as montanhas e, como o nome diz, entre dois lagos, Interlaken já vale a viagem na própria viagem. O trem, panorâmico, claaaro, atravessa os Alpes, beirando desfiladeiros, atravessando precipícios sobre pontes, revelando os mais autênticos chalés de montanha que você já viu em Campos ou em Aspen. De Berna até ali, são as melhores horas de trem da sua vida.


Apesar de vacas pastarem na praça central (e você vai se acostumar com esta funcionalidade), Interlaken é impecável como é o país das melhores escolas de hotelaria. Tem, talvez, o melhor hotel suíço, o Victoria-Jungfrau, e outros tantos hotéis que não fazem feio e que para começar mandam um carro buscá-lo na estação. Seu repertório de atividades é mais vasto do que o dos meninos cantores da Basiléia. Eventos de música e de outras artes acontecem em qualquer estação. Se, no inverno, os esportes de neve tomam conta, no verão, há vela, mergulho, canoagem e até surfe nos lagos, caminhadas, roteiros de mountain bike e o mais legítimo alpinismo. Interlaken é um laboratório do entretenimento e funciona.


+ Quarta parada: TICINO


No caminho da Schweiz à Svizzera, o tempo está nublado. O trem corta os Alpes Beninos por baixo, num longo túnel. Do outro lado, um novo mundo, o Ticino: até o clima muda. Céu azul, poucas nuvens, sol lascado, quase "mediterrâneo". Bellinzona é a primeira cidade a se ver. Seus três castelos medievais se impõem à paisagem. Sigo a Lugano: a estação fica no alto da montanha, apoiada na cidade, e debruçada no lago. Nem a Rocinha é mais equilibrada. O céu está limpo e enxergo a Itália na outra margem. Chamo um táxi, dou o endereço do hotel, ele dá uma volta no quarteirão e... "Ecco?", diz o taxista. Sorrio: "Stronzo". Deixo as malas num quarto com vista para os montes Bré e Salvatore e exploro a pé as ladeiras, as escadarias e as ruelas sinuosas e labirínticas de Lugano. Uma beleza: casas feitas de pedra, que remetem ao medievo, misturam-se aos prédios dos anos 30 e 40, construídos por arquitetos da Bauhaus.


Ando entre lojas de arte, relicários, butiques, caves... portinhas atrás de portinhas. Berço do Calvinismo, a Suíça tem poucas igrejas com imagens de santos, mas Lugano é uma das diletas exceções: tem afrescos de Bernardino Luini, aluno de Leonardo. Exausta, chego à maior praça. Barracas tomam o espaço livre, lembrando por que as praças apareceram. Numa delas, Carlo Michelle mexe, com força, um imenso caldeirão de polenta, o prato de resistência da parte italiana. Nos restaurantes, é servida com coelho ou bacalhau. Ali, em pequenas embalagens descartáveis, a quatro francos. "A receita aprendi em Bellinzona." Esperava ouvir que aprendera com a nona. É uma gente calorosa, só avessa quando a Svizzera joga contra a Itália... nessas horas são mais suíços. Olho para o morro onde está o hotel e apelo à Madonna. Ela responde com o funiculare - melhor que o bonde do Pão de Açúcar e de graça, com o swiss pass.


+ Quinta parada: LAUSANNE


Para ir do Ticino à Suisse, atravesso a Itália, e ganho horas em terra com isso - mesmo descendo e subindo em trens e passando pelas imigrações dos dois países. Mando as malas para Lausanne (o serviço se chama Fast Baggage e custa 20 francos suíços) e aproveito para conhecer as cidades pequenas do caminho. Brig tem o Stockalper Palace, um palácio sui generis com torres com domos em forma de cebola; e Martigny, a Fondation Pierre Gianadda, que organiza as mostras de arte mais aclamadas do país.


Chego em Lausanne no fim do dia. Minhas malas esperam na estação. Às margens do Lago Léman, espremida por um terreno montanhoso, a cidade-sede do Comitê Olímpico Internacional é o centro de uma espécie de Cote D'Azur alpina e se estende por quilômetros. Ninguém escapa de um táxi ao hotel.


A parte antiga, que já foi uma cidadela, fica no alto. Vale se perder por ali: igrejas transformadas pelo protestantismo, como a Catedral de Notre-Dame (estilo gótico), universidades fomentadas por Calvino, hotéis tradicionais. À beira do lago, oficialmente Genéve, uma cidade mais turística aparece: barcos, bandeiras flanando e turistas de bicicleta.


Muitos americanos e europeus de contas bancárias com muitos zeros têm o código postal de Lausanne no endereço. Mas há grandes personalidades nesta lista de afetos: Charles Chaplin, Voltaire e Byron são algumas delas. Apesar de o vinho ser fraco, passear pelos vinhedos que se empilham na encosta até Vevey é obrigatório. As caves são familiares e os proprietários, enquanto você degusta amostras locais, explicam como fazem o vinho - da preparação do solo à venda. Só não diga que prefere rolhas de cortiça. Você entrará numa celeuma interminável. A vista do lago, a mais de 400 metros, é sempre impagável.


+ Última parada: GENEBRA


Sede das mais importantes universidades do país, Genéve é a mais multicultural das cidades suíças. Por sua localização central na Europa, sempre foi lugar de encontro de diferentes culturas. No século 5, foi a capital do reino Burgundian, e no 16, com Calvino, se tornou a Roma protestante. O filósofo Jean-Jacques Rousseau e o seu bom selvagem nasceram aqui. Mas foi um pensador mais prático, Henri Dunant, que conseguiu transformar a sociedade que corrompe em algo melhor: fundou a Cruz Vermelha e encabeçou os tratados de proteção à população civil nas guerras.


Genebra fica na confluência do Lago Léman com o Rio Rhône, que o forma, e não tem uma geografia amigável do ponto de vista dos andarilhos: é espraiada e dividida pelo lago/rio - mas a vista para o Mont Blanc é perene e bela. Prepare-se para andar um bocado ou apelar para o transporte público. A estação fica na parte mais nova - onde se concentram os hotéis e o comércio. Rume à cidade antiga, cerne de Genebra. Caminhei com uma professora de história apaixonada por Calvino. "Ele valorizou o conhecimento", dizia enquanto mostrava cada prédio do velho centro. Há 40 bons museus nas colinas (entre eles, o da Reforma); a Catedral de São Pedro, do século 12; praças com cafés e lojas luxuosas; e até um relógio de flores de cinco metros de diâmetro no chão (brega, mas nem tanto). No verão, o programa é passear no lago e, bobeou, está incluído no seu swiss pass.


Sabe o que é o melhor de viajar na Suíça, Suisse, Svizzera, Schweiz? Na hora de voltar ao Brasil, faço o check in bem antes na estação de trem (garantindo assento na saída de emergência) e chego ao aeroporto na hora do embarque. A vida vai mais devagar à velocidade da luz.


Para compra do passe: http://www.bergamoturismo.com.br/valorespasses.htm/um_pais/suica_flexi.html

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